quarta-feira, 6 de março de 2013

Analise critica PCN's




QUESTÕES NUCLEARES DA TEMÁTICA TRABALHO, CONSUMO E EDUCAÇÃO NOS PCN'S: IMPLICAÇÕES NA GESTÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO
Zeina Rebouças Corrêa Thomé (UA)
Araci Hack Catapam

Introdução
A forma como os homens se relacionam com a natureza determina sua existência em todas as dimensões, garantindo a produção do que julgam imprescindível para um determinado estado de vida. Essa forma de organização da produção da existência objetiva-se no mundo do trabalho. Para compreender como essas relações estruturais  se estabelecem é fundamental apreender como elas se mantêm e se alimentam, gerando suas próprias contradições históricas no modo de produção e consumo.
A ambiência do consumo contém a fenomenologia dos bens, dos objetos, dos serviços, das condutas, das relações econômicas, sociais e culturais articuladas e disponibilizadas de tal forma que  organizam integralmente a vida quotidiana. Não se vive na prática tão somente os benefícios do consumo como fruto do trabalho ou da produção, mas sim, muito mais, o mito da mediação  técnica. Consumir é apropriar-se da estética organizada, do colorido, dos sons, das mil vozes que falam de um mundo de signos. Conhecer é desvelar o mito dos signos apreendendo as contradições do fenômeno, as fronteiras  e os horizontes dos paradigmas, os nós e a infinitude da rede. É construir significados, conceitos, âncoras para uma existência na dimensão dos possíveis entre o atual e o virtual. A ambiência da escola tanto como a do consumo são dimensões de regulação, não só pela função de ascendência social como pelo sentido de escolha, de poder e de acesso mediado por fatores científico-tecnológicos.

O saber e a cultura para os que não dominam o seu código com vistas ao seu  uso legítimo,  racional, eficaz,  não passam de  sutil segregação, pois estes bens lhes aparecem como  poder mágico, em vez de ser aprendizagem e formação objetiva, construção e reconhecimento de si no mundo  e do mundo.
A escola, de maneira geral,  tem desempenhado uma função de transmissão e preservação de valores e distinções culturais e econômicas de tal forma que repercute hoje em sua própria obsolescência frente aos desafios das transformações que se acentuam inexoravelmente, não só na direção da produção material como em relação à produção e consumo de signos,  processo  que a mantém.
A relação entre a organização da produção existência e a organização da reprodução dos signos se estabelece num processo de interdeterminação que não se estende de forma absoluta, mas contém suas próprias contradições. A escola tem como objeto material de sua arte o trato com os significantes e os significados e  pode administrar a sua interferência em função ou não da valoração dos  signos. Acredita-se que a escola, por sua ação prática, intencional e sistemática, pode contribuir para além de indicar as determinações imanentes,  desvelar as contradições dos processos de constituição da existência dos sujeitos, concorrendo  para que eles possam desenvolver condições de possibilidades de perceber e perceber-se nas relações de produção e consumo como  sujeitos históricos.
  
Determinações históricas: as formas atuais de produção e suas implicações para a formação do homem.
A década final do século XX está marcada por alterações drásticas no panorama econômico, social e cultural, impondo uma revisão que dê conta desta forma emergente de produção da existência. As novas tecnologias e as novas formas de organização do trabalho vêm acompanhadas de uma reestruturação sem precedentes nos processo de produção e consumo e conseqüentemente na formação do homem. 
Este novo ambiente de trabalho precisa ser construído na participação e na abertura das instituições às novas experiências no que diz respeito à organização do trabalho e às  formas de aprendizagem em novas bases educacionais mediadas pelos recursos de comunicação e informação. 
            As dificuldades gerais encontradas nesse  contexto podem ser enfrentadas a partir de uma nova abordagem para tratar da  educação. O foco estratégico da pedagogia  tradicional, que tem adotado uma visão tática  relacionada ao passado e ao presente, precisa voltar-se para o  futuro, e para um futuro imprevisível. 
O emergir proeminente  da cognição acentuado pelas novas tecnologias aplicadas na  produção e no  consumo representam o limiar de um  conceito de modernidade tecnológica. Faz-se objetiva a exigência de um processo de educação que busque, através da reestruturação das relações sociais determinadas pelo sistema de produção e de consumo, atingir a  difusão sociocultural do homem enquanto sujeito possuidor de uma ética e de uma visão de mundo empiricamente universal.
 Na sociedade tecnológica que se pauta pelo renovar incessante dos meios de produção e pelo avanço acelerado da ciência, o ensino científico-tecnológico apresenta-se como uma necessidade primária do sistema produtivo, e portanto uma exigência universal materialmente posta e fator ponderável  de construção do homem integralmente livre.
Neste sentido, o processo cognitivo tem como eixo principal a apropriação  crítica das dimensões pedagógicas mais gerais, implícitas no próprio desenvolvimento do processo produtivo e reveladoras da plenitude das potencialidades humanas. Os processos de desenvolvimento de conhecimento pressupõem que as relações entre os homens e as instituições específicas são mediadas pela estrutura do sistema de relação de produção, constituindo impulso e difusão de reprodução sociocultural. Em outras palavras, novas formas  de interação entre educação e trabalho, entre atividade manual e intelectual, entre produção e consumo, entre consumo e educação, têm como base  técnica material comum  o sistema produtivo e suas  determinações sociais (Thomé, 1993, p.106 a 119).
Portanto, é necessário pensar um processo educativo que leve o indivíduo e a coletividade à apropriação das riquezas materiais e intelectuais, objetivadas sob a forma alienada na produção e no consumo.
É preciso que o processo educativo atinja o indivíduo social ativo em suas múltiplas relações - consigo mesmo, com os outros no mundo, interconectados - e no qual ele - o homem - é apenas um nó significativo.  Isto quer dizer que o processo educativo precisa promover a superação do homem como trabalhador  fragmentado, que repete sempre uma dada atividade rotineira, para o homem integralmente desenvolvido, capaz de assumir diferentes funções sociais e diferentes funções produtivas - inventivas e criativas. Na verdade, isto nada mais é que a exigência da objetivação de todas as potencialidades humanas na mais  diferenciada das atividades fundamentais do homem - o trabalho.  
 Em síntese, não se trata de postular uma volta ao passado, mas sim de uma construção social a partir da base do  desenvolvimento atual. Este caracteriza-se como uma cultura que, dada a sua diferenciação e a riqueza dos produtos do processo de trabalho e de consumo, revela o homem a si mesmo em toda a plenitude de sua natureza antropológica, ainda que esta manifestação objetivada do homem se apresente sob sua forma alienada. O desenvolvimento é uma  construção social que pressupõe a apropriação sensorial e ativa do homem,  da vida humana, das criações do homem pelo homem e para o homem no mundo. A apropriação da realidade humana de ver, ouvir, cheirar, saborear, pensar, observar, sentir, desejar, agir, amar pelo e para o homem no mundo (Marx, 1971, p. 120-22).
O processo de conhecimento compreende a apropriação pelo homem de seu ser, não como uma função imediata expressa pelo possuir - ter privadamente - ou pelo consumir sumariamente bens e signos mas como fator do desenvolvimento do indivíduo social em toda a sua plenitude e dotado de todos os sentidos como uma realidade. O conhecimento é e será a realidade humana e, ao mesmo tempo, um recurso econômico e sociocultural determinante na nova fase da história.
O processo de educação tem como objeto material de suas relações o conhecimento, e a qualidade de sua prática é uma evidência que passa pelo viés pedagógico. A prática pedagógica se constitui e se define a partir de concepções de homem, de mundo e da natureza das relações sociais que se estabelecem entre seus fatores e seus elementos básicos. A reflexão desenvolvida neste estudo busca identificar e desvelar estas relações em  dimensão macroestrutural - produção, consumo, educação - e  em dimensão microestrutural - professor, aluno, conhecimento. Por isso é necessário criar uma base conceitual comum  através de uma determinada concepção de homem, de mundo e de conhecimento,  definindo-se as responsabilidades individuais; as responsabilidades e prioridades coletivas; as responsabilidades dos governos e, de forma específica, as responsabilidades das agências formadoras - as instituições educacionais.
A provisoriedade do conhecimento, nesta era determinada pela dinâmica e flexibilidade dos processos de comunicação  e informação, exige de cada um e do coletivo  um alto investimento intelectual. Instala-se um processo de transformação existencial  marcado pelo imprevisível, pelo indeterminável, e nele o homem se insere, buscando sua sobrevivência, sua identidade, e diferenciando-se dos outros seres vivos pela possibilidade de reflexão e de crítica ou de autoconsciência. A realidade comunicacional desnuda cada vez mais o homem de sua humanidade moderna, ou seja, da centralidade da razão, pelas possibilidades cada vez mais atuais de objetivação fora de si nas tecnologias da inteligência. Este processo supera e subverte a concepção moderna de humanismo ‘autocentrado’, ou seja, da precedência do homem[1].
Capra (1996), físico que escreve sobre implicações  filosóficas nas ciências, refere-se à emergência de um novo paradigma que trata da interdependência fundamental de todos os fenômenos e sobre a natureza intrinsecamente dinâmica do universo. O novo paradigma, denominado  visão ecológica ou ecologia profunda, difere da visão holística ou da visão de ecologia rasa. A ecologia rasa é antropocêntrica, ou seja, mantém a precedência do homem. O homem está situado acima  ou fora da natureza, como  a fonte  de todos os valores,  e atribui à natureza  apenas valor instrumental, de  uso. A ecologia profunda não  separa os seres humanos ou qualquer outra coisa do meio ambiente natural. Ela compreende o mundo como uma rede de fenômenos que estão profundamente interconectados e interdependentes. Reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos  e concebe os seres humanos como um fio particular na teia da vida.
Seguindo o pensamento de Capra, acredita-se que  esse novo paradigma, que toma diferentes interpretações e desdobramentos, interessa enquanto faz perguntas profundas  a respeito dos fundamentos de nossa visão de mundo, de  nosso modo de vida moderno, científico, industrial, comunicacional, indagando (a partir da perspectiva  de) como nos relacionamos uns com os outros e com as gerações futuras e (de) como nos relacionamos com o que produzimos e com o que consumimos. Esta visão ecológica fundamenta-se numa compreensão da realidade como reunião dos fenômenos ligados à maneira de redes - a teia da vida  consiste em redes dentro da rede.
A celeridade das transformações tecnológicas  desafia o paradigma da racionalidade sistemática pelo poder da interatividade telemática e pelo fascínio imagético. Com a confluência  entre  os avanços da informática e das telecomunicações, o novo paradigma microeletrônico impõe-se radicalmente, transformando o sistema de comunicação em instrumento de mediação cultural básico. Os processos de informação e comunicação informatizados tornam-se determinantes na  existência do homem atual.
A mediação dos processos culturais requer um sujeito com maior competência crítica, habilidade e rapidez, não só no acesso às informações mas na sua seleção e sobretudo na reelaboração dos conhecimentos. É cada vez maior a necessidade de atenção, criticidade e ação mental  rápida para não se cair no equívoco, tão comum hoje, de se colar informação e conhecimento. É preciso perceber a diferença fundamental entre esses dois elementos básicos das relações comunicacionais. Informação é o fato intencionalmente selecionado, codificado e  submetido a um processo de refinamento, informatizado ou não, para a apresentação e veiculação de idéias, imagens, sons, cores, mensagens. Conhecimento é o processo de interpretação e reelaboração das informações, conferindo-lhes sentidos e significados operados pelos sujeitos na comunicação (Catapan, 1996).
Nas discussões atuais  a respeito  da  informatização encontram-se declarações triunfalistas e declarações mais aprofundadas, nas quais paira a crise do humanismo, gerada pela objetivação do homem na máquina e o drama do homem moderno no estágio do avanço da técnica. O avanço da ciência que gera uma irreversível transformação tecnológica suplanta a idéia da precedência da subjetividade humana como proposta de  ação.
Minsk, um dos fundadores da Inteligência Artificial, prevê  que dentro das próximas décadas as máquinas estarão dotadas da inteligência de um ser humano médio.
 (... ) e aos poucos essas obras-primas assumirão a sua própria educação.  Em alguns anos, elas alcançarão o nível do gênio, e depois o seu poder será incalculável a tal ponto  que teremos sorte se elas resolverem nos conservar como animais domésticos (Minsky,  apud Pessis-Pasternak, 1993, p. 207).

Dreyfus  afirma o contrário:  a  Inteligência Artificial está  em um impasse, pois os computadores jamais possuirão intuição suficiente para apreender a complexidade humana.
 (...)  uma das razões disso é que o computador não tem corpo: por esse motivo eles não evoluem numa sociedade, estão mais distantes de nós do que  os marcianos! E tudo o que conhecemos, pelo mero fato de que somos seres encarnados, deve ser-lhes explicado, o que é evidentemente impossível  (Dreyfus, in: Pessis-Pasternak 1993,  p. 208).

Estas duas posições radicais não são as únicas, e sim as mais polêmicas talvez. Porém, a polêmica dual  nem sempre é o melhor caminho. Muitas outras formas de ler a realidade estão sendo construídas nessa dinâmica do movimento que se  enuncia nas duas primeiras partes deste estudo - a simultaneidade do ato de observar, pensar, agir e da cultura informatizada. 
A concepção de pensamento em rede tem sido, em nossos dias, uma chave interessante para a compreensão dos mais recentes avanços científico-tecnológicos. Pierre Lévy, fundamentado  na concepção de rede,  analisa a questão da comunicação, afirmando  que esta torna-se a própria filosofia, o fator cultural determinante.
Não há nenhuma distinção  real bem definida entre o homem e a técnica, nem entre a vida e a ciência, ou entre o símbolo e a operação eficaz ou a poiésis e o arrazoado. (...)  a técnica participa ativamente da ordem cultural, simbólica, ontológica ou axiológica da espécie (Lévy, 1993, p. 14).

Basta observar a evolução histórica para perceber  que, quando circunstancialmente, uma mudança técnica ocorre, quebra o antigo equilíbrio  das forças e das representações simbólicas, criando um ambiente inédito para alianças inusitadas.  Surge uma infinidade de agentes sociais heterogêneos - paraintelectuais - para explorar as novas possibilidades a partir de interesses próprios, até que uma nova situação se estabilize ainda que provisoriamente com seus valores, sua moral e sua cultura. Esta nova estabilidade só ocorre quando a ciência e não apenas a tecnologia é apropriada pelos homens que a usufruem.
A nova tessitura sociocultural vai se constituindo na rede  das comunicações. Uns vão transmitindo aos outros  de inúmeras maneiras uma infinidade de mensagens que os obriga a reinterpretar o seu próprio jeito de ser e agir. O devir coletivo passa necessariamente pela rede de comunicação, não importa a técnica, o objeto, a mensagem utilizada. Os seres humanos utilizam-se de todas as formas possíveis, não humanas, para objetivar suas necessidades. A técnica é uma das dimensões dessas estratégias que passam por atores não-humanos, como por exemplo o computador, que se faz cada dia mais presente no quotidiano da vida das pessoas e de forma singular nas escolas, desafiando seus agentes a um processo de alfabetização diagramada. Ou, ainda em maior escala, o sistema bancário on-line, que se insere no quotidiano das pessoas, desde as mais simples às mais esclarecidas, de uma forma inexorável.
Os diagramas sistêmicos  reduzem a informação a um dado  inerte e descrevem a comunicação como um processo  unidimensional de transporte e codificação. Entretanto, as mensagens e seus significados  se alteram  ao se deslocarem de um autor a outro na rede e de um momento a outro no processo de comunicação.(...) Os atores da comunicação  produzem portanto  continuamente o universo de sentido que os une ou que os separa (Lévy, 1993, p. 22).

A informação diagramada é apenas um lance na rede mediática, que de forma geral é consumida indiferentemente. O que a torna significativa é a interpretação ininterrupta individual e coletiva que se faz no processo de comunicação, constituindo os jogos de linguagem. O significado desses jogos está à mercê da possível interação[2] que se estabelece entre os atores. O nível e a potência da interação define-se pelo nível de interpretação, que passa pela  questão da identidade, da composição de interesses, da empatia, das emoções, dos significados e do envolvimento dos autores e atores com os  objetivos da organização da mensagem. Ou seja, esta é a metamorfose que define a base  do poder simbólico[3] instituído/instituinte  da comunicação. Portanto, as mutações das técnicas de transmissão e de tratamento das mensagens contribuem no jogo da interpretação, nas transformações culturais e na construção da realidade. E é neste espaço singular que a escola  pode atuar significativamente  na formação do homem sujeito na comunicação e não apenas como um consumidor de signos (Catapan,1999). 

Reflexões: a formação do consumidor no processo de trabalho escolar
         A ação pedagógica escolar é uma interferência intencional e organizada no processo de reflexionamento do sujeito, e se define na possível interação que se estabelece entre o sujeito consigo mesmo, com os outros e com o mundo, e certamente este mundo com seus recursos tecnológicos.                                                         O trabalho escolar[4] não existe sem o objeto específico - o conhecimento; por outro lado, não existe independente dos sujeitos professor e aluno. O caráter da relação que se estabelece entre estes sujeitos e o objeto define-se não só pelo conteúdo do objeto, nem só pela experiência histórica dos sujeitos, mas também pela forma como os sujeitos se relacionam entre si e  com o objeto,  mediados por instrumentos de comunicação. Não se trata de desconsiderar ou ignorar outros aspectos relevantes para análise do processo de trabalho escolar e que são de grande importância, como as relações de afetividade e de poder. Trata-se neste momento de discutir de forma específica a significação dos recursos utilizados como mediação da ação pedagógica objetivados materialmente como tecnologia, como bens consumíveis.  
Se utilizarmos como categoria de análise um dos fundamentos epistemológicos da educação - o processo de conhecimento - podemos verificar rapidamente  o estado da arte. O processo de trabalho escolar, embora tenha emblematicamente sustentado um discurso pela transformação, não supera, na maioria das vezes, a mera transmissão e reprodução  de informações que está alimentando o consumo dos signos. Este processo, no esforço de seus agentes em atualizá-lo, tem sido constantemente adjetivado para parecer diferente -  transmissão crítica de conhecimento... socialização de conhecimentos críticos...- como se fosse possível uma congruência natural entre transmissão de informações e construção. A transmissão de informações é necessária mas não é suficiente para a construção do conceito.
Dada uma nova forma de produção material, o conhecimento é o elemento definidor das relações entre trabalho, produção, consumo e educação. A comunicação permite que cada vez maior número de pessoas tenha em menos tempo acesso a uma escala inimaginável de informações produzidas e atualizadas sem sequer sair de seu escritório  ou de casa. Esse é o novo modo de comunicação que produz alterações radicais nas formas de organizar e desenvolver o processo de trabalho em geral.
O processo de trabalho escolar que tem como mote básico socializar e construir conhecimentos precisa estar intimamente inserido nesse contexto. O indivíduo que se habilitar a participar da sociedade do conhecimento precisa ter competências muito diferentes das habilidades e conteúdos hoje propostos e transmitidos pela escola. Esta precisa urgentemente rever como  vem tratando esta questão. Mais do que nunca a escola, a universidade, enquanto instituição que exerce a função de socializar e produzir  ciência, precisa estar integrada, inserida na sociedade.
A educação escolar em todos os seus níveis faz uma interferência intencional, sistemática, organizada no desenvolvimento histórico dos sujeitos. E o faz por um longo e fértil tempo. Cabe-lhe, no atual contexto, o desafio e  a responsabilidade de preparar sujeitos para uma realidade determinada pela mutabilidade, pela agilidade, pela  fluidez, pela dinâmica da comunicação, do conhecimento, do trabalho e do consumo.
O futuro do processo de trabalho escolar não depende somente de recursos de transmissão de conteúdos e treinamento de habilidades, mas sim de recursos e de condições de possibilidades capazes de garantir a construção dinâmica de conhecimentos. De recursos e possibilidades de  estabelecer  comunicação.  O conhecimento historicamente produzido e sistematizado  precisa ser socializado, porém não no sentido de ser reproduzido e sim como desafio a ser superado. Acredita-se que as condições e possibilidades encontradas atualmente nas contradições internas do próprio processo de conhecimento remete para a relação dialética entre teoria e prática, historicamente produzida, materialmente expressa, para a superação do atual modelo didático-pedagógico.
A teoria está encarregada de desvendar os processos reais históricos enquanto resultados e enquanto condições da prática humana em situações determinadas, ou prática que dá origem à existência e aponta os processos objetivos que conduzem por um lado à exploração e à dominação e por outro àqueles que podem conduzir à liberdade. A teoria, ao contrário da ideologia, não está encarregada de tomar o lugar da prática, fazendo a realidade depender das idéias. Também não está encarregada de guiar a prática, fazendo com que a atividade histórica dependa da consciência verdadeira. Assim também não está encarregada de se inutilizar enquanto teoria para valorizar apenas a prática. A relação entre teoria e prática é dialética. É revolucionária. Significa dizer que a relação entre teoria e prática é dialética e não apenas ideológica. A relação teoria e prática é uma relação simultânea e recíproca por meio da qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata, ou seja, nega a prática  como um dado para revelá-la em suas mediações, como atividade socialmente produzida e produtora da existência humano-social. Afinal a teoria nega a prática como  comportamento e ação dados, mostrando que se trata de processos históricos determinados pela ação dos homens, que passam a determinar suas ações. Desvela a forma pela qual criam suas condições de vida e depois são submetidos por essas próprias condições.
A prática por sua vez nega a teoria como um saber separado e autônomo, como puro movimento de idéias se produzindo umas às outras na cabeça dos teóricos. Nega a teoria como um saber acabado que guia e comanda de fora a ação dos homens. Negando a teoria enquanto saber separado do real que pretende governar esse real, a prática faz com que a teoria se descubra como conhecimento das condições reais da prática existente e de sua transformação (Chauí, 1986). 
Toda construção de conhecimento, desde a mais simples até a mais complexa, demanda  uma resposta que não está subordinada a estímulos puramente exteriores como as práticas pedagógicas convencionais supõem. Ao contrário, toda construção - seja deste ou daquele nível - deriva da integração de informações exteriores a esquemas internos anteriores. Essa  integração se faz pelos processo de  assimilação e acomodação enquanto mecanismos complementares. Trata-se de equilibrações cada vez mais amplas que possibilitam as modificações dos esquemas existentes a fim de responder ao desequilíbrio provocado pelos desafios do meio impostos às certezas anteriores, constituídas em esquemas de ação.
A ação rompe com a circularidade no sentido de que comporta elementos novos impondo maior abrangência e profundidade além das ações movidas por necessidades imediatas no nível dos sentidos. A partir de ações exitosas e reiteradas o sujeito volta-se sobre si mesmo e apreende os mecanismos de sua ação, estabelecendo um sistema coordenado que  constitui o que se chama de esquema de ação.
Esquemas de ação não são resultado de estímulos exteriores: são construções do sujeito que se constituem e se desenvolvem continuamente nos processos de interação implicativa com o meio. Isto significa que um esquema construído é transferível e remonta a um conceito que tende a se ampliar cada vez mais e a estabelecer um número cada vez maior de coordenações de ações interiorizadas no sentido de superação constante;  tende a apreender o mundo. O conceito abre-se para o mundo dos possíveis, supera o limite de tempo e de espaço, desvelando as contradições e as ideologias;  antecipa o futuro.
Essas ações diferem das ações compreendidas como as atividades que a escola propõe ou impõe ao aluno enquanto estímulo exterior e que também se fazem presentes nas publicidades consumistas. Nas práticas pedagógicas tradicionais as atividades estão predefinidas, intencionalmente alheias aos esquemas e aos processos de interação do aprendente. Limitam-no a um processo de circularidade, têm o caráter de transmissão no sentido do exterior para o interior, impõem ao sujeito uma ação de ajustamento, um modelo no sentido da repetição, uma impressão ideológica. As ações que garantem a transformação do conhecimento não são definidas a priori em um elenco de  conteúdos, de disciplinas, ou em um conjunto de signos - constituem-se e desenvolvem-se a partir da interação implicativa do sujeito com seus esquemas anteriormente construídos e os desafios impostos pelo meio (Catapan, 1993).
Acredita-se que a educação brasileira, enquanto definição de políticas nacionais, abre-se formalmente  para a inserção de temáticas socioculturais amplas e necessárias para a formação do homem capaz de atuar como sujeito nesse novo modo de produção da existência. O desafio está colocado claramente não só para os governantes e  administradores públicos como também  para os agentes diretos do processo educacional, os professores, na construção dinâmica de suas práticas no desenvolvimento de uma determinada proposta curricular, independente do nível de atuação. 
Essa  ação pedagógica anunciada nesta discussão contempla o fundamento básico que identifica uma determinada concepção de currículo constituído na transversalidade de temas. Os temas transversais constituem o fundamento da proposta que objetiva a formação social, antropológica e cultural necessária para o indivíduo tornar-se sujeito na realidade atual.
Esta discussão se  propõe contribuir para ampliar e responder a alguns  desafios da complexidade do real indicado nas questões nucleares da temática demarcada nos objetivos gerais dos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Fundamental.
Em síntese, entende-se  que a formação do homem atual, ainda de responsabilidade fundamental da escola, não está circunscrita a  objetivos e disciplinas predefinidas, as quais podem ser indicadores mas não limites, principalmente quando se trata de engendrar uma proposta pedagógica não reduzida ao trato de conteúdos e sim ao processo de desenvolvimento conceitual. Suas implicações no trabalho pedagógico precisam dar conta do movimento da transversalidade dos temas, situando os indivíduos nas relações de trabalho, consumo e educação. 
Na discussão dos Temas Transversais introduzidos nos currículos do ensino Fundamental e Médio, este estudo pressupõe o trabalho, o consumo e a educação como um sistema de ações, cuja autonomia e auto-regulação são geradas a partir de seus próprios campos e para o seu campo, construído pelas relações que o homem  processa com o mundo circundante, consigo mesmo e com os outros homens. Esse conhecimento é apreendido em suas relações objetivas no interior de todo o sistema de produção, consumo e  difusão de bens culturais e de suas relações objetivas com o sistema econômico, revelando-se como um sistema de ações pertinentes às situações  educativas. O pressuposto fundamenta  ações pedagógicas em todos os níveis de sua organização e por isso precisa estar presente enquanto movimento  na construção da concepção básica  de seus agentes.

Perspectivas
Certamente este estudo não esgota a questão, e sim pretende  inserir-se na discussão sobre os Temas Transversais, elemento inovador na proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, trazendo para debate uma análise a partir do enfoque conceitual, diferentemente do que se encontra na literatura fundamentada em abordagens que têm como eixo a organização disciplinar do conteúdo, indicando planos e modelos instrumentais para a prática pedagógica. Ao contrário, propõe-se uma reflexão com os professores para construir um fundamento básico que garanta a dinâmica dos processos de conhecimentos  a partir dos desafios que se põem na celeridade radical das transformações do mundo da produção e do consumo provocadas pelos avanços científico-tecnológicos.
Ao analisar o contexto da produção da existência  e suas implicações nos processos educacionais de formação do homem - trabalhador/consumidor - como uma relação que se constitui e se determina na interação autônoma dele com o mundo e com os outros homens, emergem  questões que ultrapassam o limite deste trabalho, ficando registradas para reflexões posteriores, tais como:
-          as mudanças das relações entre capital e trabalho pela objetivação do trabalho   humano nas novas tecnologias de comunicação e de informação;
-          a celeridade das transformações alterando a noção de tempo e espaço enquanto      construção humana (organizações virtuais e teletrabalho);
-          os desafios para a educação frente às novas demandas postas por esse mundo de trabalho e de consumo;
-          a necessidade de uma pedagogia que se fundamente no processo conceitual,   rompendo com o modelo conteudista-disciplinar;   
-          a urgência de estudos e reflexões críticas que possibilitem a divulgação dos direitos desses novos consumidores virtuais regulados juridicamente.

BIBLIOGRAFIA
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais e ética. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CHAUÍ, Marilena de SouzaO que é ideologia.  São Paulo: Brasiliense, 1986.
CAPRA, Fritjof. A teia da Vida. São Paulo, Cultrix, 1996.
CATAPAN, Araci Hack. O conhecimento e o processo de trabalho escolar: para além do pedagogismo. Florianópolis, UFSC,  1993. (Dissertação)
_____. O conhecimento escolar e o computador. PERSPECTIVA, Educação e Comunicação.  Florianópolis, UFSC/CED, ano 13, n. 24, ago. 1996, p. 173-181( Tema  do 1º ciclo de Teleconferências Educacionais no Estado de Santa Catarina).
_____.Linguagem, comunicação, cultura e mediologia.  Anais do VII Seminário Nacional  de História da Ciência e Tecnologia. São Paulo, jul.1999.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
MEC - Ministério da Educação e do Desporto. Temas Transversais. Brasília, MEC, 1988.
MARX, Karl. Elementos fundamentales para la crítica de la economia política (Grundrisse) 1857-1858. México: Siglo XXI, 1971.v. 1, 2 e 3.
PESSIS-PASTERNAK, Guitta. Do Caos à inteligência Artificial. São Paulo: UNESP,
     1993.
THOMÉ, Zeina Rebouças Corrêa. Inovação tecnológica, intelectualização e autonomização da atividade humana na produção: desafios para a educação. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, 1993. (Dissertação)


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Discutindo a formação do professor on-line - de listas de habilidades docentes ao desenvolvimento da reflexão crítica

Kátia Cristina do Amaral Tavares (UFRJ/ PUC-SP)

Introdução
Com a crescente oferta de cursos on-line, torna-se cada vez mais necessária e urgente a capacitação do professor para atuar via redes de comunicação. Neste trabalho, discuto a formação do professor on-line, revendo desde trabalhos que apresentam listas de recomendações (como Berge, 1995) até propostas mais abrangentes de formação reflexiva crítica do professor (como Smyth, 1992), passando por sugestões de atividades específicas para capacitação do professor à distância (como Lynch e Corry, 1998), a fim de contribuir para a sistematização de conhecimentos na área e para o desenvolvimento de futuros projetos e pesquisas relacionados à formação de professores para atuar via redes de comunicação.



A formação do professor virtual - recomendações para uma boa atuação
Com o objetivo de auxiliar o professor a estar melhor preparado para atuar em contextos digitais, diversos trabalhos apresentam listas de habilidades e/ou características que o bom professor on-line deve ter - sejam textos acadêmicos (e.g. Berge, 1995; Rohfeld e Hiemstra, 1995; Kerr, 1986; Brochet, 1985; Feenberg, 1986), sejam manuais de treinamento de professores de instituições que utilizam a conferência eletrônica ou sites educacionais de apoio ao professor - tais como o texto "What makes a successful on-line facilitator?" ("O que torna um facilitador on-line bem-sucedido?") no site da Universidade de Illinois (http://illinois.on-line.uillinois.edu/model/facilitatorprofile.html).


Berge (1995), por exemplo, sugere que há muitas condições necessárias para uma tutoria on-line bem-sucedida, agrupa-as em quatro áreas (pedagógica, social, gerencial e técnica) e apresenta uma extensa lista de recomendações do que um professor/moderador de conferências eletrônicas deve e não deve fazer em cada área para uma tutoria on-line bem-sucedida, tais como ter objetivos claros, encorajar a participação, não palestrar, responder prontamente às contribuições, entre muitas outras.


Argumentando que relatos de novos tutores on-line indicam que listas de recomendações são úteis só até certo ponto e que eles reclamam a falta de modelos específicos de aplicação prática dos conselhos dados, Mason (1991) utiliza passagens extraídas de uma conferência eletrônica tida pela própria autora como exemplo de moderação bem-sucedida, para mostrar, na prática, os conselhos da literatura sobre tutoria on-line, que ela agrupa em três grupos de habilidades - organizacionais, sociais e intelectuais.


Já Palloff e Pratt (1999), em seu livro sobre comunidades virtuais de aprendizagem, retomam as quatro áreas de funções do instrutor on-line (pedagógica, social, gerencial e técnica) propostas por Berge (1995) e Collins e Berge (1996) para comentá-las e exemplificá-las com base na experiência de suas aulas e seminários. A intenção, neste caso, não é apresentar modelos de atuação, como em Mason (1991), mas ilustrar e discutir as categorias no âmbito da proposta dos autores de construção de comunidades virtuais de aprendizagem.


Como se pode perceber pelos estudos aqui revisados, grande parte da literatura se preocupa em descrever, sistematizar, exemplificar ou mesmo recomendar características e procedimentos do professor on-line, sem apresentar projetos ou relatos de experiências de formação de professores para atuar em contextos virtuais.


Ainda que a enumeração de funções do professor on-line possa oferecer dicas para o seu trabalho e subsídios para a elaboração de projetos de capacitação docente, pensar que a formação do professor pode ser feita por listas de procedimentos é adotar uma visão reducionista e tecnicista desta formação, considerando a atividade docente como de caráter eminentemente instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação de teorias e técnicas científicas pré-estabelecidas (Gómez, 1995). Tal postura também parece pressupor que a transposição dos procedimentos recomendados para a prática pedagógica é automática, bastando que o professor tome conhecimento de sua existência. Em outras palavras, supõe-se que basta dizer ao professor o que deve fazer em cada situação para que ele passe a agir da maneira indicada.



Como formar o professor virtual - indicações da literatura e da prática corrente
Em seu trabalho sobre o recrutamento, treinamento e formas de compensação do corpo docente universitário para atuar na educação a distância, Lynch e Corry (1998) não só elencam alguns conhecimentos e habilidades desejáveis em um professor on-line, mas também sugerem formas de levar o professor a ter tais conhecimentos e habilidades, além de discutir dificuldades envolvidas em tal tipo de capacitação. Note-se que suas considerações, especialmente aquelas referentes ao "treinamento" de professores (termo usado pelos autores para se referirem à capacitação docente), também podem ser estendidas a outros contextos além do ensino superior.


Para Lynch e Corry (1998), uma das dificuldades para se capacitar o corpo docente para a educação à distância é o fato de que esta não é apenas um estilo de educação, mas um conjunto de estilos dependentes de diversas mídias e métodos. Preparar professores para ensinar em diversos contextos à distância com diversos meios de comunicação requer tanto métodos genéricos quanto específicos a cada meio. Aqui os autores parecem especialmente preocupados com o conhecimento técnico/ tecnológico esperado do professor a distância.


Lynch e Corry (1998) apontam a prática como a melhor forma para aprender a usar tecnologias de EaD. Para eles, o desenvolvimento de habilidades surge com o tempo em situações reais e, portanto, recomendam a participação dos professores como alunos ou observadores em contextos que usam estratégias de EaD para que depois possam contribuir em uma turma já existente. Finalmente, eles sugerem que os novos professores à distância desenhem e desenvolvam uma aula sem a pressão de realmente ter de ministrá-la. Os autores acreditam que, passando por todos os passos envolvidos, os professores aprenderão muito.


Considerando as suas necessidades para atuar em EaD de forma geral, os professores normalmente precisam aprender a estabelecer e manter contato à distância. Lynch e Corry (1998) sugerem, então, a criação de situações em que os professores se dirigem aos alunos pessoalmente como se estivessem escrevendo uma carta, engajando-os e comunicando-se com eles, antecipando suas perguntas e dúvidas. Finalmente, Lynch e Corry (1998) recomendam que os professores determinem a melhor forma de eles avaliarem a aprendizagem no contexto à distância. Os autores destacam que a instituição deve apoiar ao máximo os esforços dos professores, mas cada um é que deve pensar e chegar às suas conclusões.


Na verdade, a estratégia de "aprender fazendo" sugerida por Lynch e Corry (1998) é apontada por Tavares (2000) como sendo um dos meios que vêm sendo, de fato, utilizados na formação de professores on-line. Os sujeitos investigados por Tavares (2000) relataram três principais fontes de (in)formação para atuarem em contextos virtuais: (a) a prática de outros - pela orientação de professores que já ministraram cursos on-line ou mesmo pela leitura de mensagens trocadas em cursos on-line já ministrados; (b) a própria prática - aprender fazendo, através do trabalho em equipe; (c) leituras e discussões de textos sobre educação a distância.


Belloni (1999), por sua vez, em seu livro sobre EaD em geral (e não apenas EaD on-line), não apresenta sugestões de atividades específicas para a formação do professor à distância, mas também não se restringe à listagem de características, habilidades ou procedimentos pedagógicos desejáveis. A autora aponta áreas de competências a serem desenvolvidas e destaca aspectos, como a formação continuada e "reflexiva" do professor, comentados a seguir.


Cumpre mencionar primeiramente que Belloni (1999) não discute a formação do professor para atuar em EaD de forma separada da questão da formação do professor para atuar no ensino presencial, onde as situações educativas estão cada vez mais mediatizadas. Tal abordagem sugere, por um lado, a existência de competências comuns à atuação do professor nos ambientes presencial e à distância e, por outro, a expectativa de uma crescente incorporação de novas tecnologias de comunicação e informação (usadas na modalidade à distância) à modalidade presencial.


Belloni (1999) destaca que, atualmente, um dos principais desafios da educação é capacitar os alunos a continuarem sua própria formação ao longo da vida profissional, já que, em função das rápidas mudanças no mundo contemporâneo, eles podem ter de exercer funções ainda inexistentes. Do mesmo modo, a formação inicial de professores também deve prever a sua capacitação para uma educação continuada, além de prepará-los para a inovação tecnológica e suas conseqüências pedagógicas - seja para o ensino presencial ou à distância.


Belloni (1999) recomenda que a formação de professores venha a atender a necessidades de atualização em três grandes dimensões: pedagógica, tecnológica e didática. A dimensão pedagógica se refere às atividades de orientação, aconselhamento e tutoria e inclui o domínio de conhecimentos relativos aos processos de aprendizagem e oriundos da psicologia, ciências cognitivas e ciências humanas. A dimensão tecnológica envolve as relações entre tecnologia e educação, desde a utilização adequada dos meios técnicos disponíveis até a produção de materiais pedagógicos utilizando estes meios. A dimensão didática se refere ao conhecimento do professor sobre sua disciplina específica, envolvendo também a necessidade de constante atualização.


Apontando as freqüentes contradições entre a formação inicial do professor, suas experiências de ensino e as demandas do seu contexto de trabalho, Belloni (1999) sugere a efetiva implementação de uma proposta (aprofundada a seguir) de formação "reflexiva" do professor que pesquisa e reflete sobre sua prática de forma sistematizada, gerando conhecimento científico novo no campo da pedagogia (cf. Nóvoa, 1995).



Propostas de formação reflexiva do professor
Tendo em mente o professor em geral, e não especificamente aquele que atua a distância ou via Internet, Gómez (1995) propõe o modelo de formação reflexiva do professor no lugar do modelo de racionalidade técnica ou instrumental adotado pela maioria dos programas de formação de professores. Segundo Gómez (1995), o modelo de racionalidade técnica abrange dois componentes de conhecimento - o científico-cultural (relativo ao conhecimento do conteúdo a ensinar) e o psicopedagógico (relativo a como atuar eficazmente na sala de aula) - e se desenvolve em duas fases: primeiro, o professor em formação adquire o conhecimento dos princípios, leis e teorias que explicam os processos de ensino-aprendizagem e oferecem normas e regras para sua aplicação racional e, depois, passa para a fase de aplicação, na prática real ou simulada, de tais normas e regras, de modo que o docente adquira as competências e capacidades requeridas para uma intervenção eficaz.


Duas razões fundamentais impedem, entretanto, que a racionalidade técnica ou instrumental represente uma solução geral para os problemas educativos: (1) qualquer situação de ensino é incerta, única, variável, complexa e portadora de um conflito de valores na definição das metas e na seleção dos meios; (2) não existe uma teoria científica e objetiva, que permita uma identificação unívoca de meios, regras e técnicas a utilizar na prática, uma vez identificado o problema e definidas as metas. Para Gómez (1995), a atividade profissional (prática) do professor é uma atividade reflexiva e artística em que cabem apenas algumas aplicações concretas de caráter técnico.


No modelo reflexivo e artístico de formação de professores proposto por Gómez (1995), a prática assume o papel central do currículo, constituindo-se no espaço real onde o aluno-mestre observa, analisa, atua, reflete sem a inteira responsabilidade do prático sobre os efeitos geralmente irreversíveis das suas ações. A prática é tomada como atividade criativa e não exclusivamente técnica (de aplicação de atividades externas), mais como um processo de investigação (na ação), onde há lugar para a complexidade do real (com uso de métodos etnográficos e qualitativos) do que um contexto de aplicação. A reflexão não é vista como apenas um processo psicológico individual, passível de ser estudado a partir de esquemas formais, desvinculados do conteúdo, do contexto e das interações. Para Gómez (1995), a reflexão (conceito aprofundado mais adiante) implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, com suas conotações, valores, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos.


Também com uma proposta de formação reflexiva do professor, Schön (1995) sugere que esta formação se dê em um practicum reflexivo, em que o professor aprende fazendo, começando a praticar mesmo sem compreender racionalmente o que faz (o que gera uma confusão inicial) e refletindo continuamente sobre esta prática com a colaboração de um tutor (ou orientador), que envolve os alunos-mestres em um diálogo de palavras e desempenhos, de demonstração e imitação, onde o "imitador" busca construir o que entende como essencial nas ações do "imitado" e testar sua construção ao desempenhar ele próprio a ação.


Cumpre destacar que a sugestão de uso de practicums reflexivos feita por Schön (1995) não se restringe à formação inicial do professor, mas, ao contrário, contempla uma proposta de educação continuada, podendo se dar em diferentes estágios da formação e da prática profissionais, como em cursos e outros espaços organizados para levar os professores a tomarem consciência de sua própria aprendizagem e/ou refletirem sobre o que fazem com os alunos a partir de dados observáveis. Dentre outros resultados, a confrontação com dados diretamente observáveis pode levar a um choque educacional à medida que os professores descobrem que atuam segundo teorias de ação diferentes daquelas que professam (Schön, 1995).


Observe-se que a sugestão de partir da prática apontada por Gómez (1995) e Schön (1995) também é feita por outros autores, como Lynch e Corry (1998), citados acima, mas cumpre perceber que o modelo de formação reflexiva do professor vai muito além do "aprender fazendo" (que gera a "confusão inicial" apontada por Schön, 1995); trata-se de aprender fazendo e refletindo na prática e sobre a prática. Lynch e Corry (1998), por exemplo, não fazem menção à reflexão - sugerida por Gómez (1995) e Schön (1995), entre outros autores, e discutida mais adiante. Do mesmo modo, os sujeitos investigados por Tavares (2000), em seu trabalho já mencionado, também não citam explicitamente o desenvolvimento de qualquer trabalho sistemático de reflexão para se capacitarem como professores on-line.



Os conceitos de "reflexão" e "reflexão crítica"
O conceito de reflexão que fundamenta uma proposta de formação reflexiva do professor precisa ser discutido e esclarecido, tendo em vista a diversidade de acepções em que o termo pode ser usado.
Apontando os problemas advindos da indefinição do termo, Smyth (1992) cita Zeichner e Tabachnick (1991 in Smyth, 1992): "não sabemos muito sobre uma prática se esta é simplesmente descrita como alguma coisa cujo objetivo é facilitar o desenvolvimento de professores reflexivos... Não há um só formador de professores que diria que não está preocupado em preparar professores que sejam reflexivos" (tradução minha). Segundo Smyth (1992), a idéia de que professores devam ser reflexivos a respeito de seu trabalho faz parte do senso comum, sendo quase inquestionável como as noções de "qualidade" e "excelência". Como termo guarda-chuva para algo positivo e desejável em relação ao ensino, "reflexão" pode assumir sentidos diversos para diferentes pessoas, tendo seu significado completamente esvaziado. É, preciso, definir, portanto, o tipo de reflexão pretendida em cada proposta de formação de professores.


Zeichner e Tabachnick (1991 in Smyth, 1992) apontam quatro tipos ou tradições reconhecidas de prática reflexiva, com diferentes ênfases citadas entre parênteses: (1) enfoque acadêmico (reflexão sobre o conteúdo da disciplina e a representação deste para promover a compreensão do aluno); (2) enfoque da eficiência social (reflexão sobre como aplicar determinadas estratégias de ensino sugeridas por pesquisas); (3) enfoque desenvolvimentista (prioridade para o ensino sensível aos interesses, pensamento e padrões de crescimento de desenvolvimento dos alunos); (4) enfoque da reconstrução social (reflexão sobre o contexto sócio-político da escolarização e a avaliação das ações de sala de aula em função de seu potencial para promoção de mais igualdade, justiça social e condições humanas na escola e na sociedade).


Van Manen (1977), por sua vez, baseado em estudos de Habermas (1973) sobre o conhecimento humano, descreveu três principais tipos de reflexão (cf. Liberali e Zyngier, 2000), comentados a seguir: 
  1. reflexão técnica - preocupada com a eficiência e eficácia dos meios (tais como métodos e técnicas de ensino) para atingir determinados fins (objetivos de ensino) e com a teoria (tais como os resultados de pesquisas científicas) como meio para previsão e controle dos eventos (no caso, o que acontece em sala de aula). Conduzindo uma reflexão técnica, o professor busca as soluções para seus problemas do dia a dia nas descobertas científicas e sugestões de especialistas (como no enfoque da eficiência social, mencionado acima);
  2. reflexão prática - preocupada em examinar os objetivos e suposições, assim como o conhecimento que facilita o entendimento dos problemas da ação. Neste tipo de reflexão, os professores buscam respostas na sua própria prática, fundamentando-se no seu conhecimento de mundo sobre o assunto e no senso comum. Para Gómez (1995), o conceito de deliberação prática de Habermas refere-se ao conceito de reflexão-na-ação proposto por Schön (1983 in Gómez, 1995), definido como o processo de diálogo com a situação problemática e sobre uma interação particular que exige uma intervenção concreta, em que pensamos sobre o que fazemos ao mesmo tempo que fazemos;
  3. reflexão crítica - preocupada em enfatizar critérios morais e as análises de ações pessoais em contextos sócio-históricos mais amplos (como no enfoque da reconstrução social, mencionado acima). Segundo Gómez (1995), o conceito de reflexão crítica de Habermas refere-se ao conceito de reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação proposto por Schön (1983 in Gómez, 1995), definido como a análise que o indivíduo realiza a posteriori sobre as características e processos da sua própria ação, refletindo sobre o conhecimento-na-ação (conhecimento técnico ou solução de problemas, segundo Habermas) e sobre a reflexão-na-ação.
Ao discutir o uso da reflexão crítica no aperfeiçoamento da escola e no desenvolvimento de pessoal, Kemmis (1987) destaca a importância de este se constituir como uma comunidade crítica de questionadores e pesquisadores do programa educacional da escola, adotando uma postura crítica e reflexiva também sobre a própria compreensão do seu trabalho, suas práticas e sua situação de trabalho. Para Kemmis (1987:75), a reflexão crítica não é apenas uma investigação do profissional sobre as práticas dos profissionais; envolve uma forma de crítica capaz de analisar e desafiar as estruturas institucionais em que os profissionais trabalham. Segundo o autor, a reflexão crítica não se equaciona com o "pensamento crítico". Refletir criticamente envolve um processo de auto-avaliação que insere o sujeito dentro de um quadro de ação, na história da situação, como um participante da atividade social que diz de que lado está diante das diversas questões (Kemmis, 1987).


Para Kemmis (1987), a reflexão crítica envolve dois enfoques inter-relacionados: um que enfatiza o resgate crítico dos processos de auto-formação e construção social que nos levam a defender determinadas idéias; e outro que enfatiza as estruturas e contradições sociais e institucionais que enquadram a interação social e educacional nas escolas e salas de aula. Enquanto o primeiro enfoque nos convida a reinterpretar nossa história e experiência, o segundo nos convida a reinterpretar os sistemas e instituições educacionais onde trabalhamos. Kemmis (1987) acredita que a tarefa fundamental de uma ciência de reflexão crítica é relacionar estas duas perspectivas.


Smyth (1992) também argumenta que uma orientação reflexiva para o ensino e para a formação de professores precisa ser vista à luz de contextos institucionais mais amplos. Para ele, os professores precisam relacionar a consciência sobre os processos que informam sua prática pedagógica diária com as realidades sociais e políticas dentro das quais ela ocorre e não se envolver em processos reflexivos individuais que apenas os levam a se sentir culpados pelo que não dá certo.


Buscando meios de promover formas de ensino reflexivo verdadeiramente críticas e reconstrutivas, Smyth (1992) propõe - baseando-se no trabalho de Paulo Freire (1970) - que os professores se engajem em quatro tipos de ação com relação ao seu trabalho ligadas a uma série de perguntas: (1) descrever (O que faço?); (2) informar (O que isto significa? Qual a fundamentação teórica para minha ação?); (3) confrontar (Como me tornei assim? Quero ser assim?); (4) reconstruir (Como eu poderia agir de maneira diferente?). Esta forma de refletir implica uma confrontação entre prática e teoria, uma possibilidade real de emancipação através da escolha (e não sujeição às teorias formais) neste "confrontar" e uma perspectiva de transformação através da ação comprometida do "reconstruir".



Considerações finais
A expansão do uso da Internet na educação, seja exclusivamente a distância ou em modalidade mista, torna cada vez mais necessários a compreensão da atuação do professor em contextos virtuais e o estabelecimento de diretrizes e parâmetros para sua formação.


Conforme sugerido por Cyrs (1997), administradores podem preferir acreditar que há apenas pequenas diferenças entre o ensino presencial e o à distância e, assim, economizarem com treinamento e formação docente, mas as pesquisas (como as aqui descritas) apontam não só diferenças significativas entre os dois contextos, como sugerem uma modificação no contexto presencial pela introdução das novas tecnologias (cf. Belloni, 1999).


Azevedo (2000) destaca a necessidade de formação do professor para atuar em ambientes on-line, afirmando que não se trata apenas de um novo meio no qual o professor precisa aprender a se movimentar, mas uma nova proposta pedagógica que ele tem que ajudar a criar com sua prática educacional. Azevedo (2000) argumenta que, na educação convencional, o professor não costuma assumir o papel de companheiro, líder e animador comunitário, esperado do professor, por exemplo, em comunidades on-line de aprendizagem colaborativa, como as propostas por Palloff e Pratt (1999).


Palloff e Pratt (1999:167) também defendem, para a capacitação docente, um foco no que chamam de "pedagogia eletrônica" e não na tecnologia. Segundo eles, o treinamento de professores normalmente envolve uma introdução ao hardware e ao software a ser usado nas aulas, sem ênfase no processo. Para Palloff e Pratt (1999), a tecnologia deve ser transparente não só no processo de aprendizagem on-line, mas também na formação dos professores on-line.


Para Azevedo (2000), muito já foi investido (e deve continuar sendo investido) em hardware, conectividade e software especializados para EaD via Internet, mas atualmente é fundamental investir em "peopleware", isto é, em recursos humanos para a área, em professores e alunos capazes de ensinar e aprender on-line, para que se possa desenvolver EaD on-line de qualidade.


Faz-se necessário, em face das demandas educacionais, que se conduza um maior número de trabalhos descrevendo a atuação do professor on-line nos mais diversos contextos e sob as mais diversas perspectivas, assim como de relatos e avaliações críticas de experiências concretas de formação de professor para atuar no meio digital. Espera-se também que, além de listas de recomendações de procedimentos e/ou treinamentos com a tecnologia, sejam desenvolvidos, implementados e avaliados projetos de formação reflexiva crítica do professor on-line tanto em serviço quanto em pré-serviço.
Cumpre destacar aqui que: (1) a sugestão do desenvolvimento de projetos de formação reflexiva crítica de professores para atuar em redes de comunicação pressupõe uma opção por um modelo de formação reflexiva crítica de professores para atuar em quaisquer contextos - sejam eles a distância ou presenciais; (2) embora as propostas de formação do professor baseadas na reflexão crítica feitas na literatura não tenham surgido dentro de um quadro de preocupações específicas com contextos educacionais virtuais, nada restringe tal abordagem à educação presencial.


Além disso, a reflexão crítica, ao promover o confronto entre teoria e prática e a análise de ações pessoais dentro de contextos histórico-sociais mais amplos, pode contribuir para a superação de algumas perspectivas reducionistas (ainda comuns) da formação do professor virtual aqui discutidas, tais como: o simples treinamento do professor em aspectos tecnológicos (de software ou hardware) ou em técnicas de interação on-line (para uso de e-mail, chats, listas de discussão etc.); a ênfase na experimentação prática, em que se aprende simplesmente fazendo, sem um estudo mais aprofundado e sistemático sobre o assunto; a ausência de uma preocupação com o contexto social, político e histórico em que vem se desenvolvendo a educação via redes de comunicação.



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Copyright Kátia Tavares



[1] Humanismo autocentrado - a filosofia denominada humanista atribui ao homem  uma posição central na sociedade e no universo, responsabilizando-o pela produção das condições objetivas de sua existência. Nietzsche no final do século  XIX  anuncia a crise da humanidade  no bojo da sociedade tecnológica, enquanto desnuda a racionalidade da razão como um instrumento  tecno-burocrático a serviço da preservação das estruturas sociais existentes. Em uma de suas obras mais polêmicas, Humano, demasiado humano, escrita em 1879, o autor elabora seu mais rigoroso princípio  para opor-se à  metafísica e ao mesmo tempo recupera a mais profunda ontologia do ser do homem dotado de vontade e de poder.

[2] Possível interação - o possível  entendido como o contrário do real; a interação  é aqui tomado no sentido epistemológico na teoria de conhecimento  fundada na epistemologia genética (Catapan, 1993,  p. 57-80).
[3] Poder simbólico -  é um poder  de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido  imediato do mundo e, em particular, do mundo social. Os sistemas simbólicos, como instrumentos de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados (Bourdieu, 1989, p. 9)
[4] Processo de trabalho escolar - compreende, neste estudo,  o trabalho pedagógico em todos os níveis de ensino. 
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