Vidas Secas Resumo - Enredo
de Graciliano Ramos
Mudança
Em meio à paisagem hostil
do sertão nordestino, quatro pessoas e uma cachorrinha se arrastam numa
peregrinação silenciosa. O menino mais velho, exausto da caminhada sem fim,
deita-se no chão, incapaz de prosseguir, o que irrita Fabiano, seu pai, que lhe
dá estocadas com a faca no intuito de fazê-lo levantar. Compadecido da situação
do pequeno, o pai toma-o nos braços e carrega-o, tornando a viagem ainda mais
modorrenta.
A cadela Baleia acompanha o
grupo de humanos agora sem a companhia do outro animal da família, um papagaio,
que fora sacrificado na véspera a fim de aplacar a fome que se abatia sobre
aquelas pessoas. Na verdade, era um papagaio estranho, que pouco falava, talvez
porque convivesse com gente que também falava pouco.
Errando por caminhos incertos,
Fabiano e família encontram uma fazenda completamente abandonada. Surge a
intenção de se fixar por ali. Baleia aparece com um preá entre os dentes,
causando grande alegria aos seus donos. Haveria comida. Descendo ao bebedouro
dos animais, em meio à lama, Fabiano consegue água. Há uma alegria em seu
coração, novos ventos parecem soprar para a sua família. Pensa em Seu Tomás da
bolandeira. Pensa na mulher e nos filhos.
A inesperada caça é
preparada, o que garante um rápido momento de felicidade ao grupo. No céu, já
escuro, uma nuvem - sempre um sinal de esperança. Fabiano deseja estabelecer-se
naquela fazenda. Será o dono dela. A vida melhorará para todos.
Fabiano
Fabiano
Em vão Fabiano procura por
uma raposa. Apesar do fracasso da empreitada, ele está satisfeito. Pensa na
situação da família, errante, passando fome, quando da chegada àquela fazenda.
Estavam bem agora. Fabiano se orgulha de vencer as dificuldades tal qual um
bicho. Agora ele era um vaqueiro, apesar de não ter um lugar próprio para
morar. A fazenda aparentemente abandonada tinha um dono, que logo aparecera e
reclamara a posse do local. A solução foi ficar por ali mesmo, servindo ao
patrão, tomando conta do local. Na verdade, era uma situação triste, típica de
quem não tem nada e vive errante. Sentiu-se novamente um animal, agora
com uma conotação negativa. Pouco falava, admirava e tentava imitar a fala
difícil das pessoas da cidade. Era um bicho.
A uma pergunta de um dos
filhos, Fabiano irrita-se. Para que perguntar as coisas? Conversaria com Sinha
Vitória sobre isso. Essas coisas de pensamento não levavam a nada. Seu Tomás da
bolandeira, apesar de admirado por Fabiano pelas suas palavras difíceis, não
acabara como todo mundo? As palavras, as idéias, seduziam e cansavam Fabiano.
Pensou na brutalidade do
patrão, a tratá-lo como um traste. Pensou em Sinha Vitória e seu desejo de
possuir uma cama igual à de Seu Tomás da bolandeira. Eles não poderiam ter esse
luxo, cambembes que eram. Sentiu-se confuso. Era um forte ou um fraco, um homem
ou um bicho? Sentia, por vezes, ímpeto de lutador e fraqueza de derrotado.
Lembrando dos meninos,
novamente, achou que, quando as coisas melhorassem, eles poderiam se dar ao
luxo daquelas coisas de pensar. Por ora, importante era sobreviver. Enquanto as
coisas não melhorassem, falaria com Sinha Vitória sobre a educação dos
pequenos.
Cadeia
Cadeia
Fabiano vai à feira comprar
mantimentos, querosene e um corte de chita vermelha. Injuriado com a qualidade
do querosene e com o preço da chita, resolve beber um pouco de pinga na
bodega de seu Inácio. Nisso, um soldado amarelo convida-o para um jogo de
cartas. Os dois acabam perdendo, o que irrita o soldado, que provoca Fabiano
quando esse está de partida. A idéia do jogo havia sido desastrosa. Perdera
dinheiro, não levaria para casa o prometido. Fabiano, agora, pensava em como
enganar Sinha Vitória, mas a dificuldade de engendrar um plano o atormentava.
O soldado, provocador,
encara o vaqueiro e barra-lhe a passagem. Pisa no pé de Fabiano que, tentando
contornar a situação à sua maneira, agüenta os insultos até o possível,
terminando por xingar a mãe do soldado amarelo. Destacamento à sua volta.
Cadeia. Fabiano é empurrado, humilhado publicamente.
No xadrez, pensa por que
havia acontecido tudo aquilo com ele. Não fizera nada, se quisesse até bateria
no mirrado amarelo, mas ficara quieto. Em meio a rudes indagações,
enfureceu-se, acalmou-se, protestou inocência. Amolou-se com o bêbado e com a
quenga que estavam em outra cela. Pensou na família. Se não fosse Sinha Vitória
e as crianças, já teria feito uma besteira por ali mesmo. Quando deixaria que
um soldadinho daqueles o humilhasse tanto? Arquitetou vinganças, gritou com os
outros presos e, no meio de sua incompreensão com os fatos, sentiu a família
como um peso a carregar.
Sinha Vitória
Sinha Vitória
Naquele dia, Sinha Vitória
amanhecera brava. A noite mal dormida na cama de varas era o motivo de sua
zanga. Falara pela manhã, mais uma vez, com Fabiano sobre a dificuldade de
dormir naquela cama. Queria uma cama de lastro de couro, como a de Seu Tomás da
bolandeira, como a de pessoas normais.
Havia um ano que discutia
com o marido a necessidade de uma cama decente e, em meio a uma briga por causa
das "extravagâncias" de cada um, Sinha Vitória certa vez ouviu
Fabiano dizer-lhe que ela ficava ridícula naqueles sapatos de verniz,
caminhando como um papagaio, trôpega, manca. A comparação machucou-a.
Agora, ela irritava-se com
o ronco de Fabiano ao lembrar-se de suas palavras. Circulando pela casa, fazia
suas tarefas em meio a reza e a atenção ao que acontecia lá fora. Por pensar
ainda na cama e na comparação maldosa de Fabiano, quase esqueceu de pôr água na
comida. Veio-lhe a lembrança do bebedouro em que só havia lama. Medo da seca.
Olhou de novo para seus pés e inevitavelmente achou Fabiano mau. Pensou no
papagaio e sentiu pena dele.
Lá fora, os meninos
brincavam em meio à sujeira. Dentro de casa, Fabiano roncava forte, seguro, o
que indicava a Sinha Vitória que não deveria haver perigo algum por ali. A seca
deveria estar longe. As coisas, agora, pareciam mais estáveis, apesar de toda a
dificuldade. Lembrou-se de como haviam sofrido em suas andanças. Só faltava uma
cama. No fundo, até mesmo Fabiano queria uma cama nova.
O Menino mais novo
O Menino mais novo
A imagem altiva do pai foi
que lhe fez surgir a idéia. Fabiano, armado como vaqueiro, domava a égua brava
com o auxílio de Sinha Vitória. O espetáculo grosseiro excitava o menor dos
garotos, impressionado com a façanha do pai e disposto a fazer algo que também
impressionasse o irmão mais velho e a cachorra Baleia. No dia seguinte, acordou
disposto a imitar a façanha do pai. Para tanto, quis comunicar a intenção ao
mano, mas evitou, com medo de ser ridicularizado.
Quando as cabras foram ao
bebedouro, levadas pelo menino mais velho e por Baleia, o pequeno tomou o
bode como alvo de sua ação. Sentia-se altivo como Fabiano quando montava. No
bebedouro, o garoto despencou da ribanceira sobre o animal, que o repeliu.
Insistente, tentou se aprumar mas foi sacudido impiedosamente, praticando um
involuntário salto mortal que o deixou, tonto, estatelado ao chão. O irmão mais
velho ria sem parar do ridículo espetáculo, Baleia parecia desaprovar toda
aquela loucura. Fatalmente seria repreendido pelos pais. Retirou-se humilhado,
alimentando a raivosa certeza de que seria grande, usaria roupas de vaqueiro,
fumaria cigarros e faria coisas que deixariam Baleia e o irmão admirados.
O Menino mais velho
Aquela palavra tinha
chamado a sua atenção: inferno. Perguntou à Sinha Vitória, vaga na resposta.
Perguntou a Fabiano, que o ignorou. Na volta à Sinha Vitória, indagou se ela já
tinha visto o inferno. Levou um cascudo e fugiu indignado. Baleia fez-lhe
companhia tentando alegrá-lo naquela hora difícil.
Decidiu contar à cachorrinha
uma história, mas o seu vocabulário era muito restrito, quase igual ao do
papagaio que morrera na viagem. Só Baleia era sua amiga naquele momento. Por
que tanta zanga com uma palavra tão bonita ? A culpa era de Sinha Terta, que
usara aquela palavra na véspera, maravilhando o ouvido atento do garoto mais
velho.
Olhou para o céu e
sentiu-se melancólico. Como poderiam existir estrelas? Pensou novamente no
inferno. Deveria ser, sim, um lugar ruim e perigoso, cheio de jararacas e
pessoas levando cascudos e pancadas com a bainha da faca. Sempre intrigado,
abraçou-se à Baleia como refúgio.
Inverno
Inverno
Todos estavam reunidos em
volta do fogo, procurando aplacar o frio causado pelo vento e pela água que
agitava a paisagem fora da casa. Chegara o inverno, e isso reunia a família
próxima à fogueira. Pai e mãe conversavam daquele jeito de sempre, estranho, e
os meninos, deitados, ficavam ouvindo as histórias inventadas por Fabiano, de
feitos que ele nunca tinha realizado, aventuras nunca vividas. Quando o mais
velho levantou-se para buscar mais lenha, foi repreendido severamente pelo pai,
aborrecido pela interrupção de sua narrativa.
A chuva dava à família a
certeza de que a seca não chegaria por enquanto. Isso alegrava Fabiano. Sinha
Vitória, porém, temia por uma inundação que os fizesse subir ao morro,
novamente errantes. A água, lá fora, ampliava sua invasão.
Fabiano empolgava-se mais
ainda em contar suas façanhas. A chuva tinha vindo em boa hora. Após a
humilhação na cidade, decidira que, com a chegada da seca, abandonaria a
família e partiria para a vingança contra o soldado amarelo e demais
autoridades que lhe atravessassem o caminho. A chegada das águas interrompera
aqueles planos sinistros. Em meio à narrativa empolgada, Fabiano imaginava que
as coisas melhorariam a partir dali; quem sabe, Sinha Vitória até pudesse ter a
cama tão desejada.
Para o filho mais novo, o
escuro e as sombras geradas pela fogueira faziam da imagem do pai algo
grotesco, exagerado. Para o mais velho, a alteração feita por Fabiano na
história que contava era motivo de desconfiança. Algo não cheirava bem naquele
enredo. Sempre pensativo, o menino mais velho dormiu pensando na falha do pai e
nos sapos que estariam lá fora, no frio.
Baleia, incomodada com a
arenga de Fabiano, procurava sossego naquela paisagem interior. Queria dormir
em paz, ouvindo o barulho de fora.
Festa
Festa
A família foi à festa de
Natal na cidade. Todos vestidos com suas melhores roupas, num traje pouco comum
às suas figuras, o que lhes dava um ar ridículo. A caminhada longa tornava-se
ainda mais cansativa por causa daquelas roupas e sapatos apertados. O mal-estar
era geral, até que Fabiano cansou-se da situação e tirou os sapatos, metendo as
meias no bolso, livrando-se ainda do paletó e da gravata que o sufocava. Os
demais fizeram o mesmo. Voltaram ao seu natural. Baleia juntou-se ao grupo.
Chegando à cidade, foram
todos lavar-se à beira de um riacho antes de se integrarem à festa. Sinha
Vitória carregava um guarda-chuva. Fabiano marchava teso. Os meninos
maravilham-se, assustados, com tantas luzes e gente. A igreja, com as imagens
nos altares, encantou-os mais ainda. O pai espremia-se no meio da multidão,
sentindo-se cercado de inimigos. Sentia-se mangado por aquelas pessoas que o
viam em trajes estranhos à sua bruta feição. Ninguém na cidade era bom.
Lembrou-se da humilhação imposta pelo soldado amarelo quando estivera pela
última vez na cidade.
A família saiu da igreja e
foi ver o carrossel e as barracas de jogos. Como Sinha Vitória negou-lhe uma
aposta no bozó, Fabiano afastou-se da família e foi beber pinga.
Embriagando-se, foi ficando valente. Imaginava, com raiva, por onde andava o
soldado amarelo. Queria esganá-lo. No meio da multidão, gritava, provocava um
inimigo imaginário. Queria bater em alguém, poderia matar se fosse o caso. Vez
ou outra, interrompia suas imprecações para uma confusa reflexão. Cansado do
seu próprio teatro, Fabiano deitou no chão, fez das suas roupas um travesseiro
e dormiu pesadamente.
Sinha Vitória, aflita,
tinha que olhar os meninos, não podia deixar o marido naquele estado. Tomando
coragem para realizar o que mais queria naquele momento, discretamente
esgueirou-se para uma esquina e ali mesmo urinou. Em seguida, para completar o
momento de satisfação, pitou num cachimbo de barro pensando numa cama igual à
de seu Tomas da bolandeira .
Os meninos também estavam
aflitos. Baleia sumira na confusão de pessoas, e o medo de que ela se perdesse
e não mais voltasse era grande. Para alívio dos pequenos, a cachorrinha surge
de repente e acaba com a tensão. Restava, agora, aos pequenos, o maravilhamento
com tudo de novo que viam. O menor perguntou ao mais velho se tudo aquilo tinha
sido feito por gente. A dúvida do maior era se todas aquelas coisas teriam
nome. Como os homens poderiam guardar tantas palavras para nomear as coisas?
Distante de tudo, Fabiano
roncava e sonhava com soldados amarelos.
Baleia
Baleia
Pêlos caídos, feridas na
boca e inchaço nos beiços debilitaram Baleia de tal modo que Fabiano achou que
ela estivesse com raiva. Resolveu sacrificá-la. Sinha Vitória recolheu os
meninos, desconfiados, a fim de evitar-lhes a cena.
Baleia era considerada como
um membro da família, por isso os meninos protestaram, tentando sair ao
terreiro para impedir a trágica atitude do pai. Sinha Vitória lutava com os
pequenos, porque aquilo era necessário, mas aos primeiros movimentos do marido
para a execução, lamentou o fato de que ele não tivesse esperado mais para
confirmar a doença da cachorrinha.
Ao primeiro tiro, que pegou
o traseiro da cachorra e inutilizou-lhe uma perna, as crianças começaram a
chorar desesperadamente.
Começou, lá fora, o jogo
estratégico da caça e do caçador. Baleia sentia o fim próximo, tentava
esconder-se e até desejou morder Fabiano. Um nevoeiro turvava a visão da
cachorrinha, havia um cheiro bom de preás. Em meio à agonia, tinha raiva de
Fabiano, mas também o via como o companheiro de muito tempo. A vigilância às
cabras, Fabiano, Sinha Vitória e as crianças surgiam à Baleia em meio a uma
inundação de preás que invadiam a cozinha. Dores e arrepios. Sono. A morte
estava chegando para Baleia.
Contas
Contas
Fabiano retirava para si
parte do que rendiam os cabritos e os bezerros. Na hora de fazer o acerto de
contas com o patrão, sempre tinha a sensação de que havia sido enganado. Ao
longo do tempo, com a produção escassa, não conseguia dinheiro e endividava-se.
Naquele dia, mais uma vez
Fabiano pedira a Sinha Vitória para que ela fizesse as contas. O patrão,
novamente, mostrou-lhe outros números. Os juros causavam a diferença, explicava
o outro. Fabiano reclamou, havia engano, sim senhor, e aí foi o patrão quem estrilou.
Se ele desconfiava, que fosse procurar outro emprego. Submisso, Fabiano pediu
desculpas e saiu arrasado, pensando mesmo que Sinha Vitória era quem errara.
Na rua, voltou-lhe a raiva.
Lembrou-se do dia em que fora vender um porco na cidade e o fiscal da
prefeitura exigira o pagamento do imposto sobre a venda. Fabiano desconversou e
disse que não iria mais vender o animal. Foi a uma outra rua negociar e, pego
em flagrante, decidiu nunca mais criar porcos.
Pensou na dificuldade de
sua vida. Bom seria se pudesse largar aquela exploração. Mas não podia! Seu
destino era trabalhar para os outros, assim como fora com seu pai e seu avô.
As notas em sua mão
impressionavam-no. "Juros", palavra difícil que os homens usavam
quando queriam enganar os outros. Era sempre assim: bastavam palavras difíceis
para lograr os menos espertos. Contou e recontou o dinheiro com raiva de todas
aquelas pessoas da cidade. Sinha Vitória é que entendia seus pensamentos.
Teve vontade de entrar na
bodega de seu Inácio e tomar uma pinga. Lembrou-se da humilhação passada ali
mesmo e decidiu ir para casa. o céu, várias estrelas. Deixou de lado a
lembrança dos inimigos e pensou na família. Sentiu dó da cachorra Baleia. Ela
era um membro da família.
O Soldado Amarelo
O Soldado Amarelo
Procurando uma égua fugida,
Fabiano meteu-se por uma vereda e teve o cabresto embaraçado na vegetação
local. Facão em punho, começou a cortar as quipás e palmatórias que impediam o
prosseguimento da busca. Nesse momento, depara-se com o soldado amarelo que o
humilhara um ano atrás. O cruzar de olhos e o reconhecimento durou fração de
segundos. O suficiente para que Fabiano esfolasse o inimigo. O soldado
claramente tremia de medo. Também reconhecera o desafeto antigo e pressentia o
perigo.
Fabiano irritou-se com a
cena. O outro era um nadica. Poderia matá-lo com as mãos, sem armas, se
quisesse. A fragilidade do outro aos poucos foi aplacando a raiva de Fabiano.
Ponderou que ele mesmo poderia ter evitado a noite na cadeia se não tivesse
xingado a mãe do amarelo. No meio daquela paisagem isolada e hostil, só os
dois, e se ele pedisse passagem ao soldado? Aproximou-se do outro pensando que
já tinha sido mais valente, mais ousado. Na verdade, na fração de segundo
interminável Fabiano ia descobrindo-se amedrontado. Se ele era um homem de bem,
para que arruinar a sua vida matando uma autoridade? Guardaria forças para
inimigo maior.
Sentindo o inimigo
acovardado, o soldado ganhou força. Avançou firme e perguntou o caminho.
Fabiano tirou o chapéu numa reverência e ainda ensinou o caminho ao
amarelo.
O Mundo Coberto de Penas
O Mundo Coberto de Penas
A invasão daquele bando de
aves denunciava a chegada da seca. Roubavam a água do gado, matariam bois e
cabras. Sinha Vitória inquietou-se. Fabiano quis ignorar, mas não pôde; a
mulher tinha razão. Caminhou até o bebedouro, onde as aves confirmavam o
anúncio da seca. Eram muitas. Um tiro de espingarda eliminou cinco, seis delas,
mas eram muitas. Fabiano tinha certeza, agora, de uma nova peregrinação, uma
nova fuga.
Era só desgraça atrás de
desgraça. Sempre fugido, sempre pequeno. Fabiano não se conformava, pensava com
raiva no soldado amarelo, achava-se um covarde, um fraco. Irado, matou mais e
mais aves. Serviriam de comida, mas até quando ? Quem sabe a seca não
chegasse...Era sempre uma esperança. Mas o céu escuro de arribações só
confirmava a triste situação. Elas cobriam o mundo de penas, matando o gado,
tocando a ele e à família dali, quem sabe comendo-os.
Recolheu os cadáveres das
aves e sentiu uma confusão de imagens em sua cabeça. Aquele lugar não era bom
de se viver. Lembrou-se de Baleia, tentou se convencer de que não fizera errado
em matá-la, pensou de novo na família e no que as arribações representavam.
Sim, era necessário ir embora daquele lugar maldito. Sinha Vitória era
inteligente, saberia entender a urgência dos fatos.
Fuga
Fuga
O céu muito azul, as
últimas arribações e os animais em estado de miséria indicavam a Fabiano que a
permanência naquela fazenda estava esgotada. Chegou um ponto em que, dos
animais, só sobrou um bezerro, que foi morto para servir de comida na viagem
que se faria no dia seguinte.
Partiram de madrugada,
abandonando tudo como encontraram. O caminho era o do sul. O grupo era o mesmo
que errava como das outras vezes. Fabiano, no fundo, não queria partir, mas as
circunstâncias convenciam-no da necessidade.
A vermelhidão do céu, o
azul que viria depois assustavam Fabiano. Baleia era uma imagem constante em
seus confusos pensamentos. Sinha Vitória também fraquejava. Queria, precisava
falar. Aproximou-se do marido e disse coisas desconexas, que foram respondidas
no mesmo nível de atrapalhação.
Na verdade, ele gostou que
ela tivesse puxado conversa. Ela tentou animar o marido, quem sabe a vida fosse
melhor, longe dali, com uma nova ocupação para ele. Marido e mulher elogiam-se
mutuamente; ele é forte, agüenta caminhar léguas, ela, tem pernas grossas e
nádegas volumosas, agüenta também. A cidade, talvez, fosse melhor. Até uma cama
poderiam arranjar. Por que haveriam de viver sempre como bichos fugidos?
Os meninos, longe,
despertavam especulações ao casal. O que seriam quando crescessem? Sinha
Vitória não queria que fossem vaqueiros. O cansaço ia chegando à medida que
avançava a caminhada, e assim houve uma parada para descanso. Novamente marido
e mulher conversavam, fazendo planos, temendo o mau agouro das aves que voavam
no céu.
Sinha Vitória acordou os
pequenos, que dormiam, e seguiu-se viagem. Fabiano ainda admirou a vitalidade
da mulher. Era forte mesmo! Assim, a cada passo arrastado do grupo um mundo de
novas perspectivas ia sendo criado. Sinha Vitória falava e estimulava Fabiano.
Sim, deveria haveria uma nova terra, cheia de oportunidades, distante do sertão
a formar homens brutos e fortes como eles.
Créditos: Setanet
Vidas
Secas Resumo - Contexto
Histórico
de Graciliano Ramos
Os
abalos sofridos pelo povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a
crise econômica provocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a
crise cafeeira, a Revolução de 1930, o acelerado declínio do nordeste
condicionaram um novo estilo ficcional, notadamente mais adulto, mais
amadurecido, mais moderno que se marcaria pela rudeza, por uma linguagem mais
brasileira, por um enfoque direto dos fatos, por uma retomada do naturalismo,
principalmente no plano da narrativa documental, temos também o romance
nordestino, liberdade temática e rigor estilístico.
Os romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem visão crítica das relações sociais, regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe.
Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrângulo, Alagoas. Estudou em Maceió, mas não cursou nenhuma faculdade. Após breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos jornais "Correio da Manhã e A Tarde", passou a fazer jornalismo e política elegendo-se prefeito em 1927.
Foi preso em 1936 sob acusação de comunista e nesta fase escreveu "Memórias do Cárcere", um sério depoimento sobre a realidade brasileira. Depois do cárcere morou no Rio de Janeiro. Em 1945, integrou-se no Partido Comunista Brasileiro.
Graciliano estreou em 1933 com "Caetés", mas é São Berdado, verdadeira obra prima da literatura brasileira. Depois vieram "Angustia" (1936) e Vidas Secas (1938) inspirando-se em Machado de Assis.
Podemos justificar isto com passagens do texto:
"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos."
"A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas"
"Resolvera de supetão aproveitá-lo (papagaio) como alimento..."
"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores".
Os romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem visão crítica das relações sociais, regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe.
Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrângulo, Alagoas. Estudou em Maceió, mas não cursou nenhuma faculdade. Após breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos jornais "Correio da Manhã e A Tarde", passou a fazer jornalismo e política elegendo-se prefeito em 1927.
Foi preso em 1936 sob acusação de comunista e nesta fase escreveu "Memórias do Cárcere", um sério depoimento sobre a realidade brasileira. Depois do cárcere morou no Rio de Janeiro. Em 1945, integrou-se no Partido Comunista Brasileiro.
Graciliano estreou em 1933 com "Caetés", mas é São Berdado, verdadeira obra prima da literatura brasileira. Depois vieram "Angustia" (1936) e Vidas Secas (1938) inspirando-se em Machado de Assis.
Podemos justificar isto com passagens do texto:
"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos."
"A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas"
"Resolvera de supetão aproveitá-lo (papagaio) como alimento..."
"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores".
Créditos: Setanet
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