A CASA QUE CHORAVA.
João
Fernando fazia sua primeira excursão com o grupo de escoteiros mirins de sua
escola.
Eram,
para ele, emocionantes todas as etapas do evento: as aulas de ciências
naturais, as refeições ao ar livre, as caminhadas; as noites dormidas em
barracas e a proximidade com a paisagem campestre o fascinavam.
Tudo para
ele era novidade.
De vez em
quando, sentia saudade de seus pais Maria Helena e Fabrício e de suas irmãs
Maria Cristina e Maria Inês; a estas duas havia prometido levar alguma
lembrança quando voltasse.
Por esse
motivo, ia olhando tudo ao seu redor, para ver se algo agradaria às duas meninas.
E foi
assim que, sem se dar conta, João Fernando afastou-se do grupo. Em dado
momento, deparou-se com uma casa velha, abandonada; estava vazia e suja;
janelas e portas escancaradas.
Aproximou-se,bateu
palmas,expiou; ali não morava ninguém e talvez há muito tempo, apoiou o braço
na janela, limpou o pó com a mão e falou para si mesmo:
Não é
ruim, deveria até ter sido boa; se a limpássemos, poderia servir para tomarmos
aqui nossa refeição!
Passou
levemente a mão sobre a parede e notou que estava molhada; olhou com mais
atenção e imaginou serem lágrimas o líquido que escorria em forma de gotinhas.
Pobre
casa abandonada, disse ele, quem teria feito isso? E ouviu uma resposta:
__Foi a
minha dona, há muitos anos; uns treze, você nem havia nascido! João Fernando,
julgando ser uma brincadeira de algum dos escoteiros, olhou para todos os lados
e constatou que estava só. E a voz prosseguiu: __ Pobrezinha de minha dona, ela
me cuidava tanto!...
Estas
janelas, que você vê empoeiradas e carcomidas, traziam alvas cortinas que
balançavam ao vento, deixando penetrar os raios do Sol durante o dia e,
permitindo à noite, que a lua espiasse a singeleza daquela que para aqui veio
ainda criança!
Eu era
branca e perfumada pelas flores do jardim que ela cultivava e emoldurada por um
belo pomar que ela plantou!
Havia
pássaros no abacateiro e as flores das laranjeiras atraiam borboletas de cores
variadas!
Ela era
alegre e feliz e enquanto costurava sentada junto à janela, seu canto fazia
inveja aos rouxinóis!
Fez uma
pausa, suspirou e prosseguiu: era uma ternura a minha patroazinha: frágil,
meiga...Ah, que saudade tenho dela!
Não a
culpo por ter me deixado só!
Sim,
porque seus pais morreram e ela se foi para a cidade morar com os tios; eles
não queriam que ela vivesse só!
João
Fernando estava admirado; era mesmo a velha casa que falava e eram lágrimas,
sim, lágrimas o que estava molhando sua mão apoiada na janela.
A casa
abandonada soluçou. Pobrezinha!, disse o menino, como eu gostaria de trazê-la
de novo para você; mas, não posso, não posso! __Ninguém pode, respondeu a velha
casa, e assim, eu me tornei uma sombra do passado; hoje sirvo de abrigo a
bêbados e vadios!
Até o
pomar está todo caído, sumido dentro do mato; os passarinhos se foram; só resta
mesmo a saudade!
__Vou
falar com o instrutor, disse João Fernando, poderemos limpá-la e torná-la um
pouco mais agradável! Não demoro! Até logo, casinha amiga!
O garoto
falou ao instrutor sobre a sua descoberta, mas nunca falaria sobre sua conversa
com a velha casa; diriam que estava louco!
Quem já
ouviu casa falar?
O
instrutor gostou da idéia e, naquele dia, limparam a casa, o melhor que
puderam; colocaram ali suas esteiras, jantaram e dormiram na velha casa, aquela
noite e nas noites subsequentes.
Nosso
pequeno escoteiro notou que, enquanto ocupavam a casa, ela não chorava; parecia
ter esquecido, por um pouco, sua grande mágoa.
O grupo
de escoteiros capinou o pomar e, com estacas, levantou os pés de frutas e fez,
de modo geral, uma grande faxina.
Chegou a
hora da partida e João Fernando, de propósito, deixou-se ficar um pouco para
traz do grupo, para se despedir da velha casa.
Volte
sempre meu amigo, disse ela, não se esqueça de mim!
E,
novamente, as gotinhas escorreram pelas paredes da casinha,João Fernando molhou
os dedos naquelas lágrimas e estendo a mão, prometeu:
__Não a
esquecerei, palavra de escoteiro!
E o nosso
pequeno escoteiro não acabava mais de narrar, aos pais e às irmãs, tudo o que
havia visto e aprendido.
Depois,
dedicou-se a convencê-los a irem conhecer o maravilhoso achado, onde poderiam
construir a casa de campo que estavam planejando.
Tanto
insistiu, que num fim de semana, lá se foi a família, a conhecer o sítio onde o
garoto acampara.
Antes de
partirem, o menino, que não conseguia mais guardar segredo, contou à mãe sobre
a sua conversa com a velha casa.
__Mamãe,
disse ele, você acredita que estou louco; casas não falam, não é mesmo?
Maria
Helena estava pensativa, mas procurou tranqüilizar o filho:
Não se
preocupe, meu filho, aos onze anos, costumamos sonhar e sonhos tão bonitos que
podem parecer realidade!
Ele sabia
que não era sonho, mas pediu à mãe que nada dissesse a seu pai.
Ao
chegarem ao local, João Fernando puxou a mãe pelo braço, fazendo-a correr com
ele, na frente do pai e das irmãs; queria que ela fosse a primeira a conhecer a
casa que chorava.
E a velha
casa estava a verter lágrimas por toda a fachada.
João
Fernando parou admirado, enquanto Maria Helena se aproximou e beijou
delicadamente os batentes da porta e da janela, enquanto o filho a ouvia
conversar com uma velha e conhecida amiga: Meu velho lar querido, meu amado e
antigo lar, eu sabia que um dia voltaria para você; agora nunca mais a
deixarei, nunca! nunca! João Fernando abraçou-se à mãe. Mamãe!
Era você
então, a amada dona desta velha casa?
É você
por quem ela chora e por quem espera?
Sim,
filho, você já sabe; deve ficar entre nós! Perceberam, então, que a velha casa
já não mais chorava; estava feliz.
Maria
Helena e Fabrício construíram ali uma bela casa, conservando a velha casinha
que fora restaurada e embelezada ainda mais que outrora. Era lá que Maria
Helena fazia seus trabalhos de agulhas e onde as crianças estudavam e
brincavam.
Quem
passa hoje em dia pela estrada, de longe pode ver as brancas cortinas nas
janelas balançando ao vento e, à noite, a lua entrando novamente pelas frestas.
As flores
e os pássaros são o seu mais belo adorno.
As
laranjeiras novamente florescem, exalando seu perfume; o abacateiro reergueu-se
e todo ano enche-se de frutos.
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