Quando preparava uma sopa com uns olhinhos de couve para o jantar, a
bruxa constatou que o caldeirão estava furado. Não era muito, não senhor. Um
furo pequeníssimo, quase invisível. Mas era o suficiente para, pinga que pinga,
ir vertendo os líquidos e ir apagando o fogo. Nunca tal lhe tinha sucedido.
Foi consultar o livro de feitiços, adquirido no tempo em que andara a
tirar o curso superior de bruxaria por correspondência, folheou-o de ponta a
ponta, confirmou no índice e nada encontrou sobre a forma de resolver o caso.
Que haveria de fazer? Uma bruxa sem caldeirão era como padeiro sem forno. De
que forma poderia ela agora preparar as horríveis poções?
Para as coisas mais corriqueiras tinha a reserva
dos frascos.
Mas se lhe aparecia um daqueles casos em que era
necessário preparar na hora uma mistela? Como o da filha de um aldeão que
engolira uma nuvem e foi preciso fazer um vomitório especial com trovisco,
rosmaninho, três dentes de alho, uma semente de abóbora seca, uma asa de
morcego e cinco aparas de unhas de gato.
Se a moça vomitou a nuvem? Pois não haveria de
vomitar? Com a potência do remédio, além da nuvem, vomitou uma grande chuvada
de granizo que furou os telhados das casas em redor.
Era muito aborrecido aquele furo no caldeirão.
Nem a sopa do dia-a-dia podia cozinhar. Mantinha-se a pão e água, que remédio,
enquanto não encontrasse uma forma de resolver o caso.
Matutou dias seguidos no assunto e começou a
desconfiar se o mercador que lhe vendera o caldeirão na feira há muitos anos
atrás a não teria enganado com material de segunda categoria. A ela, bruxa
inexperiente e a dar os primeiros passos nas artes mágicas, podia facilmente
ter-lhe dado um caldeirão com defeito.
Decidiu então ir à próxima feira e levar o
caldeirão ao mercador. Procurando na secção das vendas de apetrechos de
cozinha, a bruxa verificou que o mercador já não era o mesmo.
Era neto do outro e, claro, não se lembrava –
nem podia – das tropelias comerciais do seu falecido avô. Ficou desapontada.
Perguntou-lhe, todavia, o que podia fazer com o
caldeirão furado. O mercador mirou-o, remirou-o, sopesou-o com ambas as mãos e
disse:
– Este está bom é para você pôr ao pé da porta a
fazer de vaso. Com uns pés de sardinheiras ficava bem bonito.
A bruxa irritou-se com a sugestão e, não fosse a
gente toda ali na feira a comprar e a vender, transformava-o em onagro.
Acabou por dizer: – A solução parece boa, sim
senhor. Mas diga-me cá: Se ponho o caldeirão a fazer de vaso, onde cozinho eu
depois? – Neste novo que aqui tenho e com um preço muito em conta...
A bruxa olhou para o caldeirão que o mercador
lhe apontava, sobressaindo num monte de muitos outros, de um brilhante
avermelhado, mesmo a pedir que o levassem. A bruxa, que tinha os seus brios de
mulher, ficou encantada.
O mercador aproveitou a ocasião para tecer os
maiores elogios ao artigo, gabando a dureza e a grossura do cobre, os
rendilhados da barriga, o feitio da asa em meia lua, a capacidade e o peso, tão
leve como um bom caldeirão podia ser, fácil de carregar para qualquer lado.
– Pois bem, levo-o.
O mercador esfregou as mãos de contente.
– Mas aviso-o – acrescentou a bruxa. – Se lhe
acontecer o mesmo que ao outro, pode ter a certeza de que o transformarei em
sapo.
O mercador riu-se do disparate enquanto
embrulhava o artigo.
Os anos foram passando e a bruxa continuou no
seu labor.
Até que um dia deu por um furo no novo e agora
velho caldeirão.
Rogou uma praga tamanha que o neto do segundo
mercador que lho vendera, a essa hora, em vez de estar a comer o caldo na mesa
com a família, estava num charco a apanhar moscas.
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